quinta-feira, 20 de março de 2014

Bandido bom é bandido morto? uma pequena e antiga experiencia pessoal minha.

Então, eu vi uma postagem daquela página do facebook “Ruth Shererazade” sobre uma moça que, de fato, pegou o “marginalzinho” e levou para casa. Em resumo a moça foi assaltada, a policia viu, ela evitou que ele fosse espancado e acabou levando ele pra casa. Ao chegar na casa do assaltante, acabou descobrindo que ele tinha filhas com HIV e uma mãe dependente de crack(link: https://www.facebook.com/RuthSheherazade/photos/a.456318524469703.1073741828.456269034474652/469459709822251/?type=1&theater) . 
Essa situação acabou me lembrando de algo que aconteceu comigo, em que eu não cheguei tão longe quanto esta mulher, mas serviu para que eu mantivesse, até hoje, a opinião que eu tenho formada sobre “bandidos”, “direitos humanos” e etc.

Eu devia estar na oitava série, eu era um rapaz gordinho que ia para a escola do bairro a pé, sempre tomando uma garrafinha de 600 ml ou 1 lt de coca cola (é, eu sei, eu vou acabar morrendo cedo). Nisso, quando eu estava atravessando a rua eu vi um cara sentado na calçada, obviamente machucado no peito com alguma ferida que ele tava tapando com a mão esquerda, e com uma feição péssima. Eu ia passar direto, mas ele acabou me chamando logo que eu passei por ele.

“Eeeei eeei, me dá um gole aí dessa tua coca”

Na hora me passou pela cabeça continuar andando, mas eu acabei decidindo que ia sim dar um gole para ele. Cheguei perto e pude ver que, além da ferida que ele estava tapando por cima da camiseta ensanguentada, ele tinha o rosto cheio de feridas já cicatrizadas e o joelho ralado, e pela primeira vez percebi um volume incomum na cintura do short dele (que eu só fui pensar que devia ser uma arma mais tarde naquele dia). Ele pegou o refrigerante e deu uns goles com bastante vontade, e me devolveu a garrafa. Olhei para ele e ele me deu um sorriso agradecido, perguntei para ele se ele ia ficar por ali, e ele disse que tava esperando um pessoal levar ele dali. Perguntei se eles iam demorar muito e ele disse que não. Naquela hora eu já tinha ligado os pontos que aquele cara ali não devia tar fazendo algo exatamente lícito.
Até hoje não sei porque, mas eu acabei sentando na esquina, meio afastado dele. De fato não demorou muito para aparecerem outros 2 sujeitos, que se vestiam de forma tão humilde quanto o carinha machucado. Eles olharam primeiro pra mim com um olhar meio hostil, e eu levantei na hora , pronto pra ir embora. Depois olharam para o “amigo” machucado no chão, não sei que sinal ele fez (ele não falou nada) mas logo depois pararam de me olhar de cara feia.
Cada um deles psegurou o homem ferido por um dos braços, e eu pude ver a parte machucada no peito que ele estava escondendo, sinceramente não sei dizer se tinha sido tiro ou facada, só sei que tinha bastante sangue. Já tava saindo de perto dele quando ele me chamou mais uma vez.

“Ei menino da coca cola”
“...oi?”
“tu tá indo pra escola é?”
“to sim”
“tá certo, é a melhor coisa que tu vai fazer pra tua vida”

Esse diálogo se repete de forma nítida na minha memória, e eu jamais vou esquecer dele. Nunca mais vi especificamente esse homem, ele pode estar vivo ou morto, eu espero de verdade que ele esteja bem.

Contei tudo isso pra que?

É claro que a gente se irrita quando é assaltado, dá vontade mesmo de meter um chute em quem rouba as suas coisas. Mas é necessário que tenhamos um pouco mais de empatia pelo próximo, na vida nada é preto no branco, e criamos um sistema desigual que propicia que muitas pessoas, no desespero, sigam pelo caminho da criminalidade. Alguns deles viram assaltantes, outros se prostituem, outros ainda participam do tráfico de drogas.

Precisamos desconstruir a ideia de que as pessoas assaltam por maldade (ou até que são pobres porque querem) e lembrar que estamos falando de seres humanos que, complexos como são, não podem ser divididos entre mocinhos e vilões, como fazem em histórias em quadrinhos de roteiro ruim.
Sabe porque a ala conservadora da classe média é contra “direitos humanos para bandido”? Porque fica fácil desfrutar dos próprios privilégios quando se ignora que existem pessoas em condições piores. Afinal de contas, eu não me importo se o cara que me assaltou está vivendo em condições sub-humanas na prisão, ele não é humano mesmo, né?Como canta, brilhantemente, o músico brasileiro Max Gonzaga:


“é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida”