Então, eu vi uma postagem daquela página do
facebook “Ruth Shererazade” sobre uma moça que, de fato, pegou o
“marginalzinho” e levou para casa. Em resumo a moça foi
assaltada, a policia viu, ela evitou que ele fosse espancado e acabou
levando ele pra casa. Ao chegar na casa do assaltante, acabou
descobrindo que ele tinha filhas com HIV e uma mãe dependente de
crack(link: https://www.facebook.com/RuthSheherazade/photos/a.456318524469703.1073741828.456269034474652/469459709822251/?type=1&theater) .
Essa situação acabou me lembrando de algo que aconteceu
comigo, em que eu não cheguei tão longe quanto esta mulher, mas
serviu para que eu mantivesse, até hoje, a opinião que eu tenho
formada sobre “bandidos”, “direitos humanos” e etc.
Eu devia estar na oitava série, eu era um rapaz
gordinho que ia para a escola do bairro a pé, sempre tomando uma
garrafinha de 600 ml ou 1 lt de coca cola (é, eu sei, eu vou acabar
morrendo cedo). Nisso, quando eu estava atravessando a rua eu vi um
cara sentado na calçada, obviamente machucado no peito com alguma
ferida que ele tava tapando com a mão esquerda, e com uma feição
péssima. Eu ia passar direto, mas ele acabou me chamando logo que eu
passei por ele.
“Eeeei eeei, me dá um gole aí dessa tua coca”
Na hora me passou pela cabeça continuar andando,
mas eu acabei decidindo que ia sim dar um gole para ele. Cheguei
perto e pude ver que, além da ferida que ele estava tapando por cima
da camiseta ensanguentada, ele tinha o rosto cheio de feridas já
cicatrizadas e o joelho ralado, e pela primeira vez percebi um volume
incomum na cintura do short dele (que eu só fui pensar que devia ser
uma arma mais tarde naquele dia). Ele pegou o refrigerante e deu uns
goles com bastante vontade, e me devolveu a garrafa. Olhei para ele
e ele me deu um sorriso agradecido, perguntei para ele se ele ia
ficar por ali, e ele disse que tava esperando um pessoal levar ele
dali. Perguntei se eles iam demorar muito e ele disse que não.
Naquela hora eu já tinha ligado os pontos que aquele cara ali não
devia tar fazendo algo exatamente lícito.
Até hoje não sei porque, mas eu acabei sentando
na esquina, meio afastado dele. De fato não demorou muito para
aparecerem outros 2 sujeitos, que se vestiam de forma tão humilde
quanto o carinha machucado. Eles olharam primeiro pra mim com um
olhar meio hostil, e eu levantei na hora , pronto pra ir embora.
Depois olharam para o “amigo” machucado no chão, não sei que
sinal ele fez (ele não falou nada) mas logo depois pararam de me
olhar de cara feia.
Cada um deles psegurou o homem ferido por um dos
braços, e eu pude ver a parte machucada no peito que ele estava
escondendo, sinceramente não sei dizer se tinha sido tiro ou facada,
só sei que tinha bastante sangue. Já tava saindo de perto dele
quando ele me chamou mais uma vez.
“Ei menino da coca cola”
“...oi?”
“tu tá indo pra escola é?”
“to sim”
“to sim”
“tá certo, é a melhor coisa que tu vai fazer
pra tua vida”
Esse diálogo se repete de forma nítida na minha
memória, e eu jamais vou esquecer dele. Nunca mais vi
especificamente esse homem, ele pode estar vivo ou morto, eu espero
de verdade que ele esteja bem.
Contei tudo isso pra que?
É claro que a gente se irrita quando é
assaltado, dá vontade mesmo de meter um chute em quem rouba as suas
coisas. Mas é necessário que tenhamos um pouco mais de empatia pelo
próximo, na vida nada é preto no branco, e criamos um sistema
desigual que propicia que muitas pessoas, no desespero, sigam pelo
caminho da criminalidade. Alguns deles viram assaltantes, outros se
prostituem, outros ainda participam do tráfico de drogas.
Precisamos desconstruir a ideia de que as pessoas
assaltam por maldade (ou até que são pobres porque querem) e
lembrar que estamos falando de seres humanos que, complexos como são,
não podem ser divididos entre mocinhos e vilões, como fazem em
histórias em quadrinhos de roteiro ruim.
Sabe porque a ala conservadora da classe média é
contra “direitos humanos para bandido”? Porque fica fácil
desfrutar dos próprios privilégios quando se ignora que existem
pessoas em condições piores. Afinal de contas, eu não me importo
se o cara que me assaltou está vivendo em condições sub-humanas na
prisão, ele não é humano mesmo, né?Como canta, brilhantemente, o
músico brasileiro Max Gonzaga:
“é mais fácil condenar quem já cumpre pena
de vida”
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