Ele odiava dormir sozinho, mas não era como se tivesse
escolha, ligava a televisão no “fala que eu te escuto” para processar a
discussão mais filosófica que ele seria capaz de digerir sem entrar em
depressão, também era uma ótima maneira de lhe tirar o foco dos próprios
pensamentos. Antes de deitar sempre passava pelo banheiro para se olhar no
espelho e fazer o teste de realidade, se estivesse sonhando pularia pela janela
do quinto andar, mas, não estando, apenas se jogou na cama. –Maldito medo da
morte- disse para o quarto vazio, que não o respondia mas parecia compreende-lo
melhor do que qualquer um.
Uma sirene aguda do lado de fora do seu prédio de repente atravessou
como um míssil todas as paredes do seu pequeno castelo, do seu transe
voluntário. Tentou continuar deitado
entretido na polêmica da gravidez na adolescência, mas a sirene persistia em
brincar com a cara da sua rotina. –Mas que diabos- Pensou, já não estava
confortável o bastante para dialogar com o próprio quarto, guardou seus
pensamentos para si mesmo enquanto subia as persianas da sua janela.
Saía uma ambulância da casa no outro lado da rua, e ele sabia bem o porquê, o pai do dono da casa
tinha a saúde frágil, era o tipo de pessoa que tratava a passagem da vida para a morte como uma criança
em uma porta giratória, brincando de ficar no caminho ao invés de atravessar ou
voltar de vez. O som da sirene ia ficando distante conforme as paredes do seu
castelo iam se colocando no lugar. - Foda-se- Verbalizou para o quarto vazio,
enfim em paz, enfim sós.
Quatro da manhã e ainda não conseguia dormir, o fala que eu
te escuto tinha terminado e a televisão agora exibia apenas o horário e tocava
alguma melodia desconhecida. Sempre dormia antes do último bloco para entrar no
mundo dos sonhos no meio de um raciocínio, nunca se deixando chegar em nenhuma
conclusão, mas não conseguia dessa vez. Estava preocupado com o velho? Não saberia
dizer, embora parecesse improvável, não fazia ideia nem se a própria mãe ainda continuava
viva, de repente ela parou de ligar, só
isso. Não é como se ela tivesse obrigação de falar com ele.
-Alô, pai?- já tinha pego o telefone e discado antes mesmo
de pensar sobre o assunto, e agora seria estranho demais simplesmente desligar
na cara do próprio pai- Tô no inferno então vou abraçar o capeta- Pensou.
-Ricardo, é você?- Tinha sido a primeira vez que ouvia o seu próprio nome dito por outra pessoa em doze dias, a última foi o carteiro.
-Oi oi
-Aconteceu alguma coisa filho?
-na verdade não, só queria saber como vocês estavam mesmo
-...mas são quatro da manhã, você está bêbado? – Não o culparia de pensar assim, no seu último porre ano passado ligou para o pai pedindo para ele abrir a porta porque ele tinha esquecido a chave, sendo que além dele não morar mais com os pais, sequer era no mesmo estado.
-Não, é que eu não conseguia dormir mesmo
-do jeito que você é viciado em café eu não duvido- seu pai tinha um ponto, desde criança tomava uns sete cafezinhos por dia.
-É, deve ser isso- Respondeu enquanto os músculos do seu rosto ensaiavam um sorriso incontido, não parecia algo natural, embora fosse espontâneo.
-Tá tudo bem, sua mãe dormiu no quarto assistindo novela e eu acabei caindo no sono aqui na sala assistindo o Discovery, vou até lá para dentro assim que eu desligar o telefone- Então a sua mãe ainda continuava viva, os músculos do seu rosto forçavam um sorriso daqueles que mostram os dentes, provavelmente isso significava que ele ainda se importava, vai ver ele não era tão frio quanto se julgava ser, pra variar.
-Ricardo, é você?- Tinha sido a primeira vez que ouvia o seu próprio nome dito por outra pessoa em doze dias, a última foi o carteiro.
-Oi oi
-Aconteceu alguma coisa filho?
-na verdade não, só queria saber como vocês estavam mesmo
-...mas são quatro da manhã, você está bêbado? – Não o culparia de pensar assim, no seu último porre ano passado ligou para o pai pedindo para ele abrir a porta porque ele tinha esquecido a chave, sendo que além dele não morar mais com os pais, sequer era no mesmo estado.
-Não, é que eu não conseguia dormir mesmo
-do jeito que você é viciado em café eu não duvido- seu pai tinha um ponto, desde criança tomava uns sete cafezinhos por dia.
-É, deve ser isso- Respondeu enquanto os músculos do seu rosto ensaiavam um sorriso incontido, não parecia algo natural, embora fosse espontâneo.
-Tá tudo bem, sua mãe dormiu no quarto assistindo novela e eu acabei caindo no sono aqui na sala assistindo o Discovery, vou até lá para dentro assim que eu desligar o telefone- Então a sua mãe ainda continuava viva, os músculos do seu rosto forçavam um sorriso daqueles que mostram os dentes, provavelmente isso significava que ele ainda se importava, vai ver ele não era tão frio quanto se julgava ser, pra variar.
Conversou com o seu pai durante muito tempo sobre os
assuntos mais variados possíveis, seu pai não respondia muito, estava sendo um
ouvinte melhor do que o seu quarto, porque vez ou outra dava alguma prova que
estava escutando. Pegou o celular e começou a andar pelo quarto, estava tão entretido
que ignorou quando a música da televisão parou, ignorou quando seus pés
pareciam suspensos do chão, ignorou o próprio reflexo embaçado.
Fez o teste de realidade por tempo demais para não perceber
que estava sonhando, mas preferiu se fazer de idiota, esse tinha sido o sonho
mais feliz dos últimos tempos, mesmo adormecido conseguia ver os lados bons da
vida. No dia seguinte não ligaria para dar um oi de verdade, passaria o resto
dos dias recuperando o tempo perdido nos projetos que abandonou, até o dia que
pudesse ligar para a sua mãe com algo que lhe dê orgulho, com algo que dê
orgulho pro seu pai lá em cima, que já está morto.
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