Faz tempo que eu não tento abordar um assunto realmente
polêmico, admito que estava tentando evitar ao máximo aquelas discussões
intermináveis com pessoas me chamando de idiota, mas o dever me chama, e eu
realmente quero falar sobre isso.
Enfim, acho que todos estão cientes da morte do estudante
universitário Hugo Deppman, que foi assassinado mesmo depois de ter entregue o
celular. Foi uma situação foda, que comoveu todo mundo, até eu fiquei meio
assim porque também sou estudante universitário, podia ter sido qualquer um
ali. Mas o que realmente garantiu a repercussão do caso foi o fato do
assaltante estar a poucos dias de completar 18 anos e, portanto, seria julgado
como menor. E o que acontece sempre quando um menor se envolve com crimes violentos?
Se você pensou no mimimi de diminuição da idade penal, acertou.
Não é possível que só eu perceba manipulação e
sensacionalismo descarado ali, a mídia tá se usando de um momento de comoção
pública para descer uma ideia (e uma ideia ruim) goela abaixo do povo. As
pautas dos programas de televisão parecem ter saído de uma daquelas máquinas
automáticas pensadas por George Orwell, todo ano as mesmas discussões baseadas
em notícias sempre parecidas, eu simplesmente não consigo assistir televisão
aberta sem ficar entediado.
Mas vamos falar da discussão em si, e porque eu acho essa
história de diminuição da idade penal uma má ideia:
Pra começo de conversa, aquela história de que essa medida
combate a violência não passa de uma mentira deslavada, pois segundo dados da
fundação casa (antiga FEBEM), crimes violentos praticados por menores
constituem pouco mais de 1% das internações (eu to somando homicídio com
assalto). A imensa abordagem da mídia nos poucos casos violentos costuma dar a
impressão de que o problema anda aumentando quando isso não é verdade, então
não pense que você e sua família vão poder andar seguros de noite só porque tão
prendendo adolescente adoidado. Isso sem contar que boa parte dos crimes
violentos possuem contexto (jovens assaltando por estar sendo ameaçados de
morte por traficantes, por exemplo).
E não venham me dizer que as pessoas pobres se envolvem com
crime por “falta de vergonha na cara” só porque vocês vivem em um mundinho
separado, em algumas comunidades o crime organizado é praticamente um governo à
parte, é difícil ir contra pessoas que podem invadir a sua casa a qualquer
momento. Vocês jovens e senhores que perderam o celular em um assalto, não
saiam dizendo que “se fosse pobre não se meteria com o crime”, porque você não
vive nessa realidade para saber como as
coisas funcionam de verdade.
Outra coisa, a cadeia brasileira faz tudo, menos
ressocializar os presos, já tinha comentado no meu texto sobre o Jair bolsonaro
mas não custa repetir: além de sofrerem maus tratos e “aprenderem” um pouco
mais sobre violência, a cadeia ainda deixa um estigma dificílimo de tirar.
Ninguém quer contratar um ex-detento para trabalhar, eles ficam com menos
oportunidades ainda e acabam voltando a praticar crimes (nas prisões
brasileiras, 60% dos presos acabam voltando). A redução da maioridade penal só
ia servir para lotar ainda mais os presídios, piorando as já péssimas condições
do lugar e perdendo de vez um monte de jovem que poderia retornar para a
sociedade.
E, por pior que seja a fatalidade do jovem Deppman, não dá
pra dizer que casos como o dele são, nem de longe, comparados com o número de
mortes que a violência policial gera ano após ano com jovens negros e de baixa
renda. Vamos deixar a hipocrisia de lado, além de estudante, ótimo filho e amigo leal, Hugo deppman também
era da classe média, e esse último item pesou muito para existir tamanha
repercussão. Na sociedade regada pela tal da “meritocracia”, passa-se a
impressão de que a vida de um único rapaz com condições valha mais do que centenas
de pessoas mortas dia após dia nas favelas.
Fora que, tratar a violência juvenil como um problema
“principal” é babaquice, é como tentar curar pneumonia com remédio para febre,
tu não tá resolvendo o problema, simplesmente está tratando uma consequência. O
sistema de exclusão e de péssima distribuição de renda, que aliena e esquece a
maior parte da população, esse sim precisa ser tratado, do contrário, adultos e
jovens violentos vão continuar aparecendo, não importa quantos queiram prender.
A única mudança efetiva vai ser cadeias cada vez mais lotadas e cada vez
piores.
Então por favor, senhores que ficam enchendo o saco com
mimimi de “se você quer direitos humanos para um marginalzinho, leva ele para
casa”, parem por um segundo para pensar que poderia realmente ser o seu filho
aí, na sua casa.
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