segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

conto da gaveta.



E aquele instrumento metálico não entendia exatamente a sua própria serventia, apenas contemplava os papéis que dividiam aquela escura gaveta com ele. eles pareciam cheios de informação, podiam até mesmo ajudá-lo a descobrir pra que servia, mas o pequeno instrumento não sabia ler, e mesmo que soubesse, a gaveta era escura demais pra isso, até que teve a brilhante idéia de perguntar diretamente para os papéis.
- o que são vocês?- perguntou o objeto metálico- quero dizer, o que vocês representam?- ao fazer essa pergunta, vários papéis começaram a falar e gritar ao mesmo tempo, o caos foi tamanho que o objeto metálico teve que pedir ordem.
-tá, já entendi que representam várias coisas, mas será que podem falar um de cada vez?- todos se calaram, por algum motivo tinham respeito por ele, e então três papéis resolveram se pronunciar, o primeiro era bem colorido e cheio de detalhes:
-Bem, eu represento todas as cartas de amor que nunca foram mandadas, em minha superfície existem poemas e devaneios escritos, e inclusive endereçados à uma pessoa amada,mas quem me escreveu tem medo da rejeição, então apenas escreve pra guardar na gaveta- Ao terminar de se pronunciar, deu lugar a um papel mais cheio de informação, predominantemente números, e o objeto esperava que o próximo papel lhe ajudasse a descobrir quem era.
-eu represento todas as contas, somos contas de luz, telefone, hipotecas, cartão de crédito, alguns de nós nem saímos do próprio envelope, saímos da caixa de correio direto pra essa gaveta, o que me leva a crer que não temos como ser pagas.- saiu, dando lugar ao ultimo papel querendo se pronunciar, tinha várias palavras escritas, e no fim de si o espaço para duas assinaturas, apenas uma havia sido preenchida.
-Sou um papel de divórcio, e devo ser novo por aqui, faz umas duas semanas que fui jogado aqui sem nem sequer ter sido lido, o que faz com que eu me sinta um tanto quanto inútil, tudo o que eu sei é que serei devolvido assim que assinado, mas não acho que será logo, talvez até me rasguem- com isso, o objeto metálico já sabia muitas coisas sobre o dono da gaveta: ele nao tem dinheiro, nem a esposa, e nem a coragem pra se apaixonar de novo, mas ainda assim não sabia direito sobre a própria serventia, pouco antes de desistir completamente, um pequeno papel amarelo e fino se levanta.
-Você quer saber mais sobre você?-perguntou o papelzinho
-Sim, por favor
-eu sou a sua nota fiscal, sei exatamente quem você é, estava lá no momento em que você foi tirado da loja , e fui jogado ao mesmo tempo nessa gaveta, seu nome de fabricante é "glock"
-glock? o que isso quer dizer?- antes que pudesse ser respondido ,a gaveta onde ele repousava foi violentamente aberta, e ele foi arrancado de lá, pela mão trêmula de um ser humano, com uma blusa branca manchada em lágrimas e uma cara de desespero, pôde perceber que no chão do quarto onde estava também haviam várias contas e cartas de amor, nao sabia muito bem como se sentir, mas estava bem animado, finalmente ia saber sobre a própria serventia, foi levantado lentamente pela mão trêmula, ansioso pelo resultado, e se viu adentrando na boca do seu dono, pensou então que poderia ser uma espécie de escova ou aparelho pra melhorar o hálito, o que quer que fosse descobriria agora.
e qual não foi a sua surpresa quando ouviu um clique saindo de si mesmo e um calor repentino obrigar a cuspir algo pra fora em alta velocidade, agora estava lambuzado de sangue e jogado no chão, e o seu dono estava morto.
-Então é pra isso que eu sirvo....- jogado no chão com um cadáver ao seu lado, se pôs em silêncio, não pela morte do dono, não tinha simpatia nenhuma por ele, mas agora que o seu usuário está morto, essa seria provavelmente a única vez que seria útil.

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